Maternidade no cárcere e o encarceramento feminino em massa

A população carcerária feminina no Brasil, conforme demonstra o levantamento de dados do Sisdepen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) do 13º ciclo de 2022, é de 27.547 mulheres, com 120 filhos nas unidades prisionais, 81 lactantes e 190 gestantes/parturientes. A relevância destes números nos aponta outro viés na realidade intrínseca entre a mulher em sua condição de genitora, aspectos femininos e a realidade do cárcere no Brasil.

Nota-se que a maioria dos presídios femininos no país são adaptações de prédios antigos ou presídios anteriormente construídos para homens, contendo uma arquitetura ineficiente para a mulher em suas especificidades, principalmente no que tange a sua condição de gestante/lactante. Inclusive o Código Penal e de Processo Penal de 1940 e 1941 não foram pensados pelo legislador para criar normas para mulheres infratoras e para gestantes.

No período puerperal até a formação da criança, conforme aponta o Pacto Nacional da Primeira Infância, o período da gestação até os seis anos de vida é primordial. É quando se forma a estrutura cerebral subjacente ao desempenho das competências humanas relativas à aprendizagem, convívio social pacífico, comportamentos, identidade familiar e cultural, prevenção à violência, exercício da cidadania, entre outras competências imprescindíveis ao desenvolvimento pessoal, familiar e social do ser humano.

Entretanto, as condições inumanas, socioeconômicas e institucionais indignas impostas ferem preliminarmente o Princípio da Intranscendência da Pena previsto no Art. 5º, XLV, CF/88, e são altamente desfavoráveis às normativas legislativas e pactos internacionais quanto ao tratamento de mulheres e crianças em situação de cárcere, como as Regras de Bangcoc (Tratado internacional das Regras das Nações Unidas para o tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras), direitos constitucionais como no art. 277, princípios basilares da dignidade humana, no Estatuto da Criança e do Adolescente, Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), entre outros.

Olhando o perfil das detentas no Brasil, 42,5% delas têm entre 18 e 29 anos, 67,2% são pretas e pardas e cerca de 80% são responsáveis (principais ou únicas) pelos cuidados com os filhos. Este é o espelho social do Brasil, no ponto que as condições marginalizadas impostas às mulheres provenientes de comunidades, em sua concepção de subalternidade político-social se refletem na arquitetura política do encarceramento em massa da população carente e sobretudo negra.

As manutenções institucionalizadas e culturais de uma política e uma sociedade patriarcal e racista transfere para os dados essa realidade: o Brasil ocupa o 3º lugar no ranking com mais mulheres presas no mundo, de acordo com os dados da 5ª edição do World Female Imprisonment List, levantamento global realizado pelo ICPR do Birkbeck College na Universidade de Londres.

Neste diapasão, a quantidade populacional carcerária feminina por incidências por tipo penal de crimes hediondos e equiparados é de 61,66% pela Lei de Drogas (Lei 6.368/76 e 11.343/06) e 14,52% por associação com o tráfico. Isso aponta para uma realidade devastadora, em que a maioria é apreendida com drogas em quantidades claramente diminutas, pois a legislação não traz especificamente uma quantidade a ser considerada tráfico, deixando para a autoridade policial a classificação no momento da abordagem/apreensão.

Ademais, muitos casos estão situados em contextos em que essas mulheres são aliciadas para o tráfico ao levar drogas para seus companheiros em unidades prisionais ou por ligação afetiva aos traficantes, no cenário da busca de prover para as suas famílias condições de sobrevivência, segurança alimentar e maior qualidade de vida em situações extremas de necessidade, enxergando no tráfico esta oportunidade de contribuição na economia doméstica. Dificilmente são reincidentes ou com histórico no mundo do crime, desempenhando um papel secundário como transporte ou pequeno comércio. Em sua larga escala são usuárias, pois a mulher dificilmente se constitui com o papel de gerência no tráfico, ocupando o lugar de coadjuvante neste axioma.

Esse contexto é importante porque precisamos pensar nas razões do encarceramento e tratar de forma real o problema da marginalidade como resposta das desigualdades no Brasil, sobretudo no que tange às estruturas prisionais e violações dos direitos humanos, frisando o importante papel do Judiciário como instrumento de manutenção de violações dos direitos fundamentais e descumprimento de leis que asseguram às mães e crianças condições dignas. Direitos garantidos em legislação, tratados e resoluções são denegados de forma seletiva e oposta à concepção de justiça.

É o que demonstra caso de 2018 em que a então presidente do STJ, Laurita Vaz, negou habeas corpus à mãe de uma criança de apenas um mês de vida, impedindo-a de cumprir pena domiciliar. A mãe se encontrava presa pelo porte de 8,5 gramas de maconha encontrados dentro do bolo que ela levava para o marido na prisão. Em sua fundamentação, a ministra afirmou que “a simples existência de filhos menores não enseja a concessão automática da benesse”.

Em contraste, o mesmo benefício fora concedido para Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio de Janeiro, presa por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sendo mãe de crianças de 11 e 15 anos, ela recebeu através de decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, provimento ao benefício sob a alegação de que a prisão de mães e grávidas é “absolutamente preocupante”. Ele apoiou alternativas ao encarceramento para não haver “punição excessiva” à mulher ou a seus filhos.

Em 2018 foi concedido habeas corpus coletivo pelo STF (HC 143.641/SP) para substituir a prisão preventiva pela domiciliar a todas as mulheres que se encontram grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade. Já em dezembro do mesmo ano foi sancionada a Lei 13.769/2018, que estabelece a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência.

Este grande marco para o respeito aos direitos da mulher e à dignidade humana das crianças materializa a luta por direitos humanos das detentas, porém, infelizmente existe relutância dos tribunais em reconhecer a lei e conceder o benefício às mães, ocorrendo uma verdadeira violação de direitos. Hoje, as crianças devem permanecer com suas mães até completar um ano. Na maioria dos estados, permanecem até o 6º mês enquanto são amamentadas, período de grande sofrimento, pois a realidade desta separação é feita de maneira cruel. Se durante o cumprimento da pena da mãe não houver um familiar para permanecer com a criança, ela é direcionada para um abrigo do Estado. De um dia para o outro, a criança é retirada subitamente do seio materno.

Diante deste artigo, pensemos em novas perspectivas para o futuro. Devemos colocar em pauta a necessidade de políticas públicas para a população carcerária feminina, a construção de um olhar humanizado pela sociedade e pelo Judiciário diante dos delitos praticados e a ponderação da pena, uma nova construção legislativa de apoio às crianças e cumprimento das normas em atenção às condições da presa como mãe e estruturas dos presídios voltados ao perfil feminino.

É preciso exigir a constante manutenção e construção de uma política carcerária abolicionista a fim de fomentar meios de acompanhamento cidadão, pois nesta realidade as crianças crescem com demasiada defasagem psicossocial. Sem o âmbito materno-familiar, elas crescem sem esperança e oportunidades, não enxergando outro caminho senão as condições de sobrevivência marginalizadas. Precisamos do estrito respeito às normas e aos direitos humanos, a fim de promover a segurança para o crescimento pleno destas crianças em nosso país.