Aumento do salário mínimo traz efeitos econômicos positivos?

Em 1996, James Buchanan, prêmio Nobel de Economia e um dos economistas mais importantes da época, assim escreveu no Wall Street Journal: 

“Just as no physicist would claim that ‘water runs uphill’, no self-respecting economist would claim that increases in the minimum wage increase employment. Such a claim, if seriously advanced, becomes equivalent to a denial that there is even minimal scientific content in economics, and that, in consequence, economists can do nothing but write as advocates for ideological interests. Fortunately, only a handful of economists are willing to throw over the teaching of two centuries; we have not yet become a bevy of camp-following whores”[1].

A famosa frase de Buchanan mostra não apenas o quanto o mainstream econômico foi fundado em torno da ideia de economia como uma ciência constituída por leis absolutas e universais, bem como o quanto os mercados de trabalho eram peças-chave para a demonstração da infalibilidade das leis econômicas. Daí por que Buchanan, de forma irônica, afirma que sustentar que o salário mínimo pode aumentar o emprego seria negar o caráter científico da economia, equiparando-se a sustentar que a água corre para cima. 

Não obstante, já faz algum tempo que estudos recentes mostram que a afirmação de Buchanan, além de arrogante, é também equivocada. Afinal, nos mercados de trabalho, as leis da oferta e da demanda não se aplicam linearmente, até porque, em muitos casos, não há nem mesmo concorrência – menos ainda concorrência perfeita — de forma que o preço do salário não é resultado da interação entre a lei da oferta e a lei da demanda, mas sim do exercício de posição de monopsônio ou oligopsônio por parte do empregador. 

Não é sem razão que várias pesquisas empíricas atuais demonstram que o aumento do salário mínimo não necessariamente leva à redução da oferta de emprego, tal como já tive oportunidade de mostrar em coluna anterior[2]. Daí o forte abalo a um dos principais pilares do mainstream econômico, muito bem traduzido na supramencionada opinião de Buchanan. 

Dando continuidade a uma consistente linha de pesquisa que se construiu em torno do funcionamento dos mercados de trabalho, artigo recente dos professores Justin Wiltshire, Carl McPherson e Michael Reich mostra que os efeitos do aumento do salário mínimo não somente não são negativos, como são positivos em termos de aumento de postos de trabalho e diversos outros[3]. 

Na pesquisa, os autores, professores de Berkeley, se propuseram a realizar a primeira análise causal sobre os efeitos de aumentos do salário mínimo, focando nos maiores condados norte-americanos dos estados da Califórnia e de Nova York. Tais condados, que foram analisados durante o período de 2013 a 2022, passaram por processos semelhantes de aumentos do salário mínimo, até que este chegasse ao valor de US$ 15 por hora. 

É importante ressaltar que não se tratou de um aumento banal mas, pelo contrário, extremamente expressivo. Nos condados que ficavam na Califórnia, o salário mínimo foi de US$ 8 em 2015 para US$ 15 em 2022. Já em Nova York, o salário mínimo saiu de US$ 7,25 em 2013 para também US$ 15 em 2018 na cidade de Nova York e em 2021 no restante do estado. 

Como se pode observar, estamos falando de aumentos significativos do salário mínimo, que corresponderam aos percentuais de 87,5% na Califórnia e de 107% em Nova York. O foco da pesquisa foi a indústria de fast food, caracterizada por apresentar um dos menores salários e por não ter adicionais remuneratórios, como é o caso das gorjetas que normalmente compõem o pagamento de servidores em outros tipos de restaurantes. Como grupo de controle, foram utilizados condados de estados que não haviam experimentado uma mudança do salário mínimo desde o aumento que ocorreu em âmbito federal em 2009. 

Com base nos dados coletados, os autores concluíram que, nos condados em que houve aumento do salário mínimo, não houve aumento do desemprego, mas sim efeitos positivos, como o aumento dos empregos, o crescimento substancial do pagamento dos trabalhadores e uma redução da desigualdade salarial. Para além dos empregos, os efeitos positivos foram encontrados também no pagamento de adolescentes, bem como de ganhos horários e semanais.  

No que diz respeito à questão da redução da desigualdade, os autores mostraram que o aumento do salário mínimo representou aumento para os que estavam na base da pirâmide salarial sem afetar as médias salariais. Outro aspecto interessante é que, de acordo com os dados da pesquisa, não houve substituição dos empregados adultos por adolescentes ou de trabalhadores com maior educação por trabalhadores com menor educação. 

Os autores reconhecem que a sua pesquisa posiciona-se em importante conjunto de pesquisas sobre o funcionamento dos mercados de trabalho, muitas delas destacadas no artigo. Entretanto, consideram que a contribuição original do seu trabalho é precisamente a de, por meio do modelo proposto, predizer efeitos positivos do aumento do salário mínimo sobre o emprego.  

Consequentemente, a mensagem principal é a de que não se pode aplicar linearmente postulados abstratos e universais da teoria econômica em mercados não competitivos, sem analisar efetivamente as evidências empíricas a respeito dos resultados de tais postulados. Mais do que isso, o reenquadramento da discussão sobre o salário mínimo mostra a importância de se ter muito cuidado com as falsas obviedades ou mesmo com o “senso comum”, que podem até funcionar do ponto de vista lógico ou teórico, mas estão muitas vezes descoladas da realidade. 

Outro importante efeito do trabalho é mostrar o quanto é falaciosa a ideia de que proteger o trabalhador – como ocorre por meio do salário mínimo – é algo prejudicial a ele, pois reduziria a própria oferta de empregos. Cada vez mais esse tipo de conclusão reflete muito mais uma narrativa ideológica do que propriamente uma proposição científica. 

Aliás, para muitos economistas, isso já acontecia antes mesmo dos estudos empíricos recentes. Não é sem razão que Hirschman[4] se refere à ampla utilização, pelo discurso econômico, da chamada “retórica da intransigência”, para justificar a não concessão de direitos sob o argumento econômico de que o resultado final seria prejudicial para aqueles a quem se desejaria beneficiar. 

Entretanto, diante das recentes pesquisas empíricas, a utilização do argumento retórico assume outro patamar, pois está cada vez mais descolada das evidências. Isso mostra que buscar justificar a cientificidade da economia com base em modelos teóricos afastados da realidade não é – nem pode ser – ciência, mas sim ideologia.

[1] https://uneasymoney.com/2019/03/22/james-buchanan-calling-the-kettle-black/ 

[2] Ver FRAZÃO, Ana. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/dialogo-entre-direito-e-economia-10022021 

[3] Justin C. Wiltshire, Carl McPherson and Michael Reich. (2023). “High Minimum Wages and the Monopsony Puzzle”. IRLE Working Paper No. 104-23.https://irle.berkeley.edu/publications/worker-papers/high-minimum-wages-and-the-monopsony-puzzle 

[4] Ver FRAZÃO, Ana. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economia-e-retorica-da-intransigencia-21122022