Segmento de dublagem pede proteção legal contra uso de voz gerada por inteligência artificial

Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Reunião das comissões de Cultura e de Trabalho

Profissionais do segmento de dublagem criticaram nesta quinta-feira (29), em audiência pública conjunta das comissões de Cultura e de Trabalho da Câmara dos Deputados, o uso de vozes geradas por inteligência artificial em trabalhos de dublagem. Segundo eles, a nova tecnologia substitui postos de trabalho e compromete aspectos culturais da atividade.

Ângela Couto, representante do setor de dublagem em São Paulo, afirmou que a base da discussão é a defesa do direito autoral, da cultura brasileira e da soberania nacional. “A nossa diversidade linguística é imensa e é construída e reformada por nós. A automação do processo significaria a negação disso. Eu gosto de dizer que isso seria um novo processo de colonização”, acrescentou.

Ela defendeu a aprovação do Projeto de Lei 1376/22, em tramitação na Câmara, que determina que as dublagens e legendagens de obras audiovisuais ofertadas comercialmente no Brasil sejam realizadas por empresas e profissionais, respectivamente, com sede e residência no Brasil.

Fábio Azevedo,  do Movimento Dublagem Viva, lembrou a capacidade que a boa dublagem tem de conectar, emocionar e marcar quem consome o produto dublado. Ao dizer frases icônicas de personagens que dublados no Brasil, ouviu várias pessoas dizerem os nomes deles.

Azevedo defendeu a aprovação do Projeto de Lei 2338/23, do senador Rodrigo Pacheco, que prevê a remuneração pelos direitos de autor daquele que tiver a sua obra sendo utilizada para alimentar uma inteligência artificial.

Patrimônio imaterial
O debate foi proposto pelos deputados do Psol Pastor Henrique Vieira (RJ), Tarcísio Motta (RJ) e Professora Luciene Cavalcante (SP). A deputada sustenta que o impacto da inteligência artificial no setor é apenas um exemplo dos ataques que esse tipo de tecnologia é capaz praticar contra direitos trabalhistas e autorais. “Isso ataca também o nosso patrimônio cultural, a nossa soberania.”

Ela informou que já pediu ao Ministério da Cultura que envie projeto de lei à Câmara tornando a dublagem patrimônio imaterial da cultura brasileira. “Vamos construir nesse sentido, porque a proteção da dublagem, da nossa cultura, é a proteção da nossa democracia”, disse.

Representando o ministério, César Morais observou que os dubladores estão à frente de um processo de precarização e de práticas abusivas de mercado. “Muitos profissionais criativos precisam assinar contratos de adesão, ou seja, os são obrigados a aceitar cláusulas impostas, como a renúncia dos direitos de autor e a transferência definitiva do direito de personalidade, ou seja, do direito sobre a própria voz, que são intransmissíveis e irrenunciáveis, segundo o Código Civil”, disse.

Deryk Santana, diretor de políticas para os trabalhadores da cultura,  afirmou que a mudança legislativa é o caminho para proteger o trabalho dos dubladores e a cultura nacional. “Essas pessoas estão vendo em nós a possibilidade de não ter suas profissões extintas, de não ter que ir viver de outra coisa, para que elas possam sim viver daquilo que elas fazem de melhor, daquilo que elas ajudaram a construir: nossas memórias e as nossas identidades”, disse.

Deputado estadual em São Paulo, Carlos Giannazi relatou que já existem projetos em tramitação que tornam a dublagem em nível estadual e municipal patrimônio cultural imaterial. “A inteligência artificial é burra. Ela se vale de um banco de dados que já existe, uma produção já feita por dubladores.”