
O financiamento da educação em suas especificidades, a formação e a valorização de professores, o aproveitamento de conhecimentos tradicionais e a manutenção dos estudantes em seus territórios, sejam indígenas, quilombolas ou camponeses, foram algumas das demandas apresentadas nesta quinta-feira (29) por representantes dessas populações à comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o novo Plano Nacional de Educação (PNE).
O Projeto de Lei 2614/24, que detalha o PNE, estabelece 18 objetivos para desenvolver a educação no País até 2034. Entre eles, o oitavo trata de garantir o acesso, a qualidade e a permanência em todos os níveis e modalidades da educação indígena, quilombola e do campo.
A presidente da comissão, deputada Tabata Amaral (PSB-SP), e o relator, deputado Moses Rodrigues (União-CE), receberam as sugestões.
Indígenas
A coordenadora geral do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, Lúcia Alberta de Oliveira, destacou a importância de o PNE reafirmar e avançar em preceitos já existentes, como o uso de língua indígena em sala de aula e nos materiais didáticos, a valorização dos conhecimentos tradicionais e a contratação de professores indígenas.
Lúcia afirmou que faltam dados precisos sobre a educação indígena no Brasil. Ela solicitou a criação de indicadores próprios de qualidade e ressaltou que a modalidade é um direito e precisa ser ofertada conforme a demanda dos povos originários.
“Pedimos ainda a universalização da educação diferenciada também fora das terras indígenas”, acrescentou a coordenadora. Nós temos um número alto de indígenas que vivem fora de suas terras, muitos em periferias de zonas urbanas. É necessário o reconhecimento desses indígenas, e que tenham escolas de qualidade.”
Dados citados na audiência pela secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Zara Figueiredo, apontam para a existência no Brasil de 3,6 mil escolas indígenas, 26,3 mil professores e 289,5 mil matrículas na educação básica. A presença na escola, no entanto, vai diminuindo à medida que o estudante cresce: apenas 58% dos indígenas com idade entre 15 e 17 anos frequentam ou completaram o ensino médio.
“Há um desequilíbrio de continuidade na educação indígena. No ensino médio, cai. A distribuição entre ensino infantil, educação fundamental e ensino médio é bastante desequilibrada”, observou Zara. “Não é possível mais pensar cada etapa da educação de modo desarticulado. Por isso, a gente não fala mais educação infantil, ensino fundamental e médio. A gente fala em educação básica, que pressupõe uma correlação direta, um após o outro. Na educação escolar indígena, isso não tem se efetivado.”

Quilombolas
Diretora na Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Maria Páscoa Sarmento reclamou da existência de apenas 2,6 mil escolas para atender a mais de 1,3 milhão de quilombolas e da taxa de 19% de analfabetismo de uma população que é jovem (48,4% tem até 29 anos de idade).
“Nos nossos territórios não tem creche, não tem escola de ensino médio. Os dados são reflexo da ausência do Estado na oferta de educação básica”, afirmou Páscoa. “Isso obriga a população quilombola a fazer uma diáspora. Isso é muito estratégico em um contexto macronacional de não titulação dos nossos territórios. E é fazer também com que o nosso povo seja expulso da terra em busca da educação”, disse.
A quilombola Lúcia Alberta de Oliveira também demanda a formação de professores adequadamente formados para ensinar estudantes que vivem situações específicas, além de melhores condições de trabalho. “Os professores atuam com contratos muito precários. A gente não consegue ter continuidade, é alta a rotatividade”, afirmou a diretora da ABPN.
A representante do Ministério da Igualdade Racial, Priscila Ribeiro da Cruz, acredita que o novo PNE traz alguns avanços ao prever a ampliação de creches nos territórios quilombolas, a universalização do atendimento de crianças na educação e a produção de materiais didáticos específicos. No entanto, ela observou que ainda falta explicitar o financiamento da educação escolar quilombola e também abordar o enfrentamento da violência racial nas escolas, entre outros pontos.

Educação do campo
As demandas da representante do Fórum Nacional de Educação do Campo na audiência, Mônica Castagna Molina, seguiram a mesma linha. Ela reclamou especialmente do fechamento de mais de 20 mil escolas públicas no meio rural entre 2013 e 2024. “O fechamento contribui para o enfraquecimento das comunidades, para a diminuição do espaço de articulação, de organização, de diálogo, de acesso a outros direitos. No meio rural brasileiro, às vezes o único espaço público é a escola.”
Mônica Molina também defendeu o financiamento pleno das demandas apresentadas, a valorização dos profissionais da educação e a articulação da educação básica e do ensino superior com a educação ambiental em função da gravidade da crise climática.