Nos 18 anos da Lei Maria da Penha, procuradora da Câmara pede conscientização da sociedade

Bruno Spada /Câmara dos Deputados
Soraya Santos: educação pode mudar comportamentos machistas que permeiam crimes

A Lei Maria da Penha, criada para combater a violência doméstica e familiar contra as mulheres, completa 18 anos nesta quarta-feira (7) com a persistência de altos índices de violência contra a mulher no Brasil. 

Para mudar esse quadro, a procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados, deputada Soraya Santos (PL-RJ), destaca a importância da união dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para formular políticas públicas mais eficazes, conscientizar toda a sociedade para o problema da violência contra a mulher e do uso de novas tecnologias.

Soraya Santos lembra que a Lei Maria da Penha foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a terceira melhor lei de combate à violência contra a mulher no mundo. Mas o Brasil também é líder nos índices de violência. 

Violência crescente
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, mostram o crescimento de casos em todos os tipos de violência contra mulheres no Brasil em 2023, incluindo ameaça, stalking (perseguição), agressões físicas em contexto de violência doméstica, violência psicológica, estupro, feminicídio e tentativa de feminicídio. 

Segundo o levantamento, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2023 – ou seja, em média, quatro mulheres morreram por dia vítimas desse crime. Dessas, 63,6% eram negras, 71,1% tinham entre 18 e 44 anos, e 64,3% foram mortas em casa. O assassino foi o parceiro em 63% dos casos, o ex-parceiro em 21,2% e um familiar em 8,7% dos registros. 

Mudanças na legislação
O Congresso já incluiu ou modificou 50 dispositivos da Lei Maria da Penha, por meio de 15 novas leis sancionadas entre 2017 e 2024 (veja a tabela abaixo).

Segundo a procuradora da Câmara, essas modificações aprimoraram a legislação, como, por exemplo, ao reconhecer e punir o crime de perseguição (Lei 14.132/21).

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Atualmente, 324 projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados podem fazer novas mudanças na Lei Maria da Penha. Destes, 89 foram apresentados nesta legislatura por 61 parlamentares.

As deputadas que mais apresentaram propostas para modificar a lei foram Laura Carneiro (PSD-RJ), com nove projetos, e Lêda Borges (PSDB-GO), com sete.

 

 

Educar para prevenir
De acordo com Soraya Santos, a educação é a chave para mudar comportamentos machistas que permeiam os crimes contra a mulher, como a possessividade e a agressividade nas relações. Para a parlamentar, a própria punição ao agressor deve incluir medidas de conscientização. 

“A gente só está aprimorando a lei, punindo, mas muitas vezes a gente encontra o homem que sai do processo criminal e vai repetir em outra mulher”, afirma a deputada, ressaltando que é preciso ainda cuidar o impacto que essa violência tem nos filhos. “A gente não pode fechar os olhos para a violência doméstica, porque aquela criança vai repetir o modelo. Tratar da relação familiar é tratar da sociedade. Isso tem que ser cobrado dentro das escolas, das famílias, das igrejas”, acrescenta.

Denúncias
Segundo
dados da 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, realizada pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) e o Instituto DataSenado, ambos do Senado, apenas duas, em cada dez mulheres, se consideram bem informadas em relação à Lei Maria da Penha. 

A procuradora da Câmara afirma que ainda há muita subnotificação da violência e pede que as mulheres confiem no sistema de proteção estatal e denunciem as agressões antes que os feminicídios aconteçam. As denúncias, ressalta Soraya, devem ser feitas por toda a sociedade, como vizinhos, por exemplo.

Ela defende ainda o uso de novas tecnologias para fazer as denúncias e garantir a proteção dessas mulheres. “Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, de todas as mulheres que têm ‘botão do pânico’, nenhuma delas morreu.” O “botão do pânico” é um aparelho capaz de emitir alerta à polícia em caso de ameaça ou de violação de direitos.

“Se aumenta o registro de violência doméstica, significa que eu estou confiando no sistema. Se aumenta o número de feminicídio, significa que, além de eu não confiar no sistema, o sistema está falhando comigo”, avalia a deputada.

Independência financeira
Soraya Santos também cobra o avanço na autonomia econômica das mulheres. “A dependência econômica é uma causa muito grande [de violência doméstica]. Muitas vezes a mulher passa pela violência e não tem para onde ir, outro dado é que ela se submete à violência quando tem filho pequeno, ela prefere estar ali apanhando mas protegendo o filho”, acrescenta.

Revitimização e impunidade
A Lei Maria da Penha ficou conhecida pelo nome da mulher que a inspirou, uma farmacêutica que sobreviveu duas vezes às tentativas do marido de assassiná-la e que, em consequência, ficou paraplégica. Ela fundou o Instituto Maria da Penha, que visa contribuir para a aplicação integral da lei e monitorar as políticas públicas para o seu cumprimento.

Em vídeo divulgado pelo instituto para comemorar os 18 anos da lei, Maria da Penha pede que a norma seja implementada de maneira completa, “sem brechas para impunidades e negligências”. 

“Há naturalização da cultura da violência doméstica contra a mulher no País e as políticas públicas ainda são insuficientes para garantir direitos humanos, como vemos nos inúmeros casos de revitimização das mulheres, por exemplo, o que também compromete a aplicação da lei”, lamenta Maria da Penha. 

Ela cita ainda alguns efeitos nocivos da violência contra a mulher, como danos na saúde mental; perdas de autoestima, da autonomia financeira e “da capacidade de sonhar e ter esperança”. “Além disso, no caso de feminicídio, os efeitos incluem a dor das crianças órfãs e das mães e pais perdem as filhas”, acrescenta.

Para Maria da Penha, “não restam dúvidas de que é necessário mais compromisso de toda a sociedade e do Poder Público para mudar esse cenário”. 

 

 

A lei
Com a Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra as mulheres deixou de ser considerada um crime de menor potencial ofensivo e passou a ser classificada como violação dos direitos humanos.

A norma estabelece medidas de proteção para as mulheres em situação de violência doméstica e prevê a criação de juizados especiais para esses crimes. 

Um dos avanços da lei foi ampliar o conceito de violência doméstica. Antes da lei, essa violência era considerada apenas física. Hoje ela abrange também a violência psicológica, moral, sexual e patrimonial. 

Outro progresso da Lei Maria da Penha foi a criação das medidas protetivas de urgência. Essas medidas têm como objetivo garantir a segurança das mulheres em situação de violência doméstica e familiar e incluem o afastamento do agressor do lar, a proibição de se aproximar da vítima e de seus familiares, entre outras.

Metas para combater a violência
No mês passado, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a lei que prevê a criação de planos de metas para o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 14.899/24).

Agora para acessar recursos federais relacionados à segurança pública e aos direitos humanos, estados e municípios deverão elaborar esses planos, que deverão ter duração de dez anos e ser atualizados a cada dois anos a fim de monitorar a execução e os resultados das ações.

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