Investigadores e militantes de grupos de defesa dos animais apontaram falhas da loja Cobasi do Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre, no afogamento de 38 pássaros e roedores engaiolados e peixes ornamentais durante a tragédia de inundações do Rio Grande do Sul, no início de maio. O caso teve repercussão nacional.
Em audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (11), o chefe da divisão técnica ambiental do Ibama, Rodrigo Dutra da Silva, explicou os motivos da autuação administrativa e da aplicação de quase R$ 100 mil em multas à empresa.
“Nós vimos que tinha um mezanino não alagado, onde, no mínimo, parte dos animais poderia ter ficado. Os animais ficaram para trás, no subsolo do shopping, que alagou. Por exemplo, o subsolo do shopping todo foi evacuado: não teve um carro que tenha ficado dentro d’água, porque houve avisos para evacuar. Então, foi isso que deu a certeza aos nossos fiscais para a autuação administrativa por maus-tratos a animais”, explicou.
A situação da Cobasi é agravada por denúncias de que computadores, máquinas de cartão de pagamento e outros equipamentos eletrônicos foram previamente retirados dos locais alagados. Esse e outros três casos semelhantes também são investigados criminalmente, em segredo de Justiça, pela delegada de Proteção ao Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, Samieh Saleh, que revelou algumas constatações após vistorias, análise de imagens e mais de 20 pessoas ouvidas.
“O que eu pude verificar em comum nessas quatro investigações é a falta de um plano de evacuação, retirada e salvamento desses animais presos em aquários e gaiolas para exposição e venda”, disse a delegada. “E o meu questionamento é: se não fosse um alagamento e fosse algo mais previsível, como um incêndio, por exemplo, o que essas empresas fazem para facilitar o salvamento desses animais?”, completou.
Para o deputado Delegado Matheus Laiola (União-PR), houve “omissão criminosa” da Cobasi. Outro organizador do debate, o deputado Marcelo Queiroz (PP-RJ) criticou a ausência da empresa, que preferiu apenas enviar uma nota.
“Eles citam aqui que, ‘em relação aos computadores e outros equipamentos, vale destacar que apenas os CPUs que ficavam próximos ao chão e nos caixas foram deslocados para locais mais altos’. Eu acho que, quando se tem vidas, há prioridades. Então, acho que foi um despreparo total”, disse.
Desafios
Os especialistas ainda disseram que a tendência de profusão de eventos climáticos extremos traz novos desafios no socorro a animais durante desastres naturais. A diretora de direitos dos animais do Ministério do Meio Ambiente, Vanessa Negrini, destacou o envio de 188 toneladas de ração e medicamentos veterinários para o Rio Grande do Sul desde os primeiros voos humanitários da FAB, no início de maio, além da inédita liberação de recursos para socorro aos animais desabrigados.
“Um total de R$ 22 milhões estão disponíveis a todos os municípios em situação de emergência e de calamidade: basta o município enviar um ofício para a Secretaria de Defesa Civil que os recursos, em poucos dias, serão liberados para a compra de ração, microchip, medicamentos e, inclusive, castração, em articulação com o Conselho Federal de Medicina Veterinária”, explicou.
Para as ativistas do Grupo de Resgate de Animais em Desastres (Grad) Carla Sassi e Ana Vasconcelos, há necessidade de uma campanha nacional de adoção para os cerca de 11 mil animais que permanecem em abrigos gaúchos e um plano de manejo para locais que mantêm “animais menos carismáticos” diante da população. A promotora de meio ambiente do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Anelise Monteiro, concorda e também cobra ajustes na legislação.
“Deve significar um momento de alerta para a nossa sociedade que possa gerar uma alteração ética. Algumas pessoas disseram nas redes sociais: ‘Por que tanto escândalo? Afinal de contas, eram roedores e alguns pássaros. Não eram cães e gatos’. E aí eu vejo a importância da produção de normas federais claras a respeito da comercialização de animais”.
Além de regulamentação mais rígida da comercialização de animais, os especialistas também pediram o agravamento da pena de maus-tratos, que hoje é de 3 meses a um ano de detenção (Lei 9.605/98), geralmente convertida em pagamento de cesta básica ou de prestação de serviço.