As pouco mais de 600 famílias que moram na comunidade do Horto Florestal, no Rio de Janeiro, buscam uma definição sobre a permanência no local, que fica na área do Jardim Botânico. Em abril deste ano a comunidade teve uma vitória importante para a permanência no local, resultado de um relatório produzido por um grupo de trabalho com representantes do Ministério do Meio Ambiente, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico. A posse dos terrenos é disputada há mais de quarenta anos pelas famílias locais e pela administração do Jardim Botânico.
Nesta semana, o assunto chegou à Câmara. A Comissão de Legislação Participativa discutiu soluções para a região, que é mais do que centenária, pois a ocupação ali começou em 1808, segundo o representante da Secretaria Geral da Presidência da República, Renê Esteban Rojo, que afirma que, em maio a dezembro de 2023, um grupo de trabalho analisou as possibilidades de garantir o direito de moradia. O grupo ouviu os moradores, o Jardim Botânico e integrantes do governo e das universidades.
Segundo ele, existem moradias no Horto Florestal em regiões de risco. “Nós não queríamos chegar e construir algo que, no futuro, pudesse uma família sofrer algum tipo de problema por questões geomorfológicas, hidrológicas, enchentes, desabamentos, então a gente precisava de um laudo para que tivéssemos a segurança de que as famílias que ali estão, que permaneceriam ali, pudessem estar em uma situação de tranquilidade”, explicou.
Perigo iminente
O representante da Secretaria Geral da Presidência afirma que a prefeitura do Rio entregou um estudo que aponta que cerca de 50 residências no Horto estavam em situação de perigo iminente. No caso, as famílias seriam realocadas para áreas dentro do Horto ou em regiões próximas.
A intenção é de que as ordens de reintegração de posse sejam anuladas enquanto ocorrem as medidas de realocação. Outra conclusão do grupo de trabalho é de que as famílias do Horto não teriam a posse da terra, mas o direito de uso com a garantia de não acréscimo de famílias nas regiões. Esse aspecto foi ressaltado pelo advogado da Associação de Moradores e Amigos do Horto, Rafael Mota.
“A sugestão do governo federal é de que esse título seja uma outorga de permissão de detenção. Nós, da comunidade, pleiteamos pela outorga de uma concessão de direito real de uso. Mas o mais importante é que, independentemente do título que será outorgado, acho que o que mais vai fazer com que todos os interesses estejam garantidos são as condicionantes que esse instrumento vai trazer para a permanência do morador”, observou.
Segundo ele, as condicionantes do governo são as mesmas apresentadas pelos moradores, como a proibição de transferência de posse entre vivos e algumas restrições de uso. Não há outras divergências, como reconhece o presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto, Fábio Dutra Costa, que ressaltou que os moradores são contra o crescimento da comunidade.
“O que falta é um pouco mais de coragem dos representantes do governo. A gente precisa de algum acordo que dê para nós e para o instituto também segurança legal de que a comunidade não vai crescer e não vai haver o cometimento de nenhum tipo de arbitrariedade do governo também”, disse.
Bem tombado
O Iphan está do lado da comunidade, afirma a coordenadora-geral de Normatização e Gestão de Territórios do instituto, Érica Diogo.
“O Horto Botânico é um bem tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ele é reconhecido como patrimônio nacional. Então toda aquela área tem uma proteção do ponto de vista cultural também, além da dimensão ambiental e é parte da preservação que também tem sido feita por eles no local. Dentro desse trabalho que foi realizado recentemente por esse grupo de trabalho técnico, a manifestação da instituição foi de que a permanência deles é passível de convivência com a preservação do patrimônio cultural”, disse Érica Digo.
A deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), que representou a prefeitura do Rio, confia num bom desfecho.
“Acontecerá um acordo. E a gente espera que esse acordo aconteça na Câmara do TRF (Tribunal Regional Federal). Mas também é preciso que o governo federal entenda, e eles querem dar apenas o direito de detenção, e a gente luta para que eles tenham o direito de uso, que é o mínimo. Ninguém está pedindo a propriedade, está pedindo a garantia do direito da concessão de uso, que é um direito menos precário que é o direito de detenção”, observou a deputada.
A reunião foi presidida pelo deputado Glauber Braga (Psol-RJ).
“Nós estamos falando de mais de 600 famílias, o que dá, de forma muito evidente, para compatibilizar com a preservação ambiental do espaço. Porque é isso que esses moradores já fazem há décadas. É exatamente nessa compreensão que a gente espera que agora o acordo que seja encaminhado ao Judiciário possa acabar de vez com essa insegurança, com toda essa tensão vivida cotidianamente pelos moradores”, observou Braga.
A comunidade mais recente do Horto Florestal foi formada ao longo do século 20 por funcionários de fábricas antigas da região e, depois, por trabalhadores do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico. A partir da década de 1980, a União entrou com ações de reintegração de posse e conseguiu decisão favorável em quase todas, mas no contexto dos direitos de moradia trazidos pela Constituição de 1988, poucas decisões acabaram sendo executadas.