Entidades que hoje têm imunidade tributária nos impostos sobre consumo criticaram exigências para a manutenção do benefício no novo sistema tributário, previstas no projeto de regulamentação da reforma tributária (PLP 68/24). Elas participaram de audiência pública do grupo de trabalho que analisa a regulamentação.
Um exemplo é a vedação de que os dirigentes dessas entidades recebam mais que o teto do serviço público, que é o salário do ministro do Supremo Tribunal Federal, ou R$ 44 mil hoje. As entidades que não pagarão os novos impostos sobre consumo (IBS e CBS) são as religiosas; os partidos políticos; os sindicatos; aquelas de venda de livros, de jornais e de serviços de comunicação; e entidades filantrópicas de educação e assistência social.
Núbia Castilhos, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, disse que o objetivo das novas regras é aumentar a transparência em um setor que está na quinta colocação entre os que mais se beneficiam de renúncias fiscais.
“Eu acho que há musculatura para a gente discutir a abrangência, mas não a limitação propriamente dita, que é uma norma importante para a gente impedir a distribuição disfarçada de lucros”, disse.
Priscila Pasqualin, do Instituto Beja, disse que o limite dificulta a atração de profissionais e lembrou que as entidades são privadas. A especialista ainda afirmou que outra exigência incluída, a de contratar auditores independentes para avaliação das contas, adicionaria altos custos às despesas das entidades.
Mário Ghio Júnior, presidente da Associação Brasileira de Sistemas de Ensino e Plataformas Educacionais, reforçou o pedido para que o setor possa ter créditos dos impostos pagos por empresas em outras fases da produção de livros e materiais didáticos. Segundo ele, sem isso, o custo do setor pode aumentar em até 16%.
Regras
Essas são as regras do PLP 68/24 para que as entidades mantenham sua imunidade tributária:
não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio, rendas e bonificações;
aplicar integralmente, no país, seus recursos, patrimônio, resultados e rendas na manutenção e no desenvolvimento dos seus objetivos institucionais;
manter escrituração contábil regular e divulgar, em seu sítio eletrônico, as suas demonstrações financeiras, com periodicidade mínima anual, juntamente com dados consolidados sobre os serviços prestados e os atendimentos realizados pela entidade;
manter as demonstrações financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade, quando a receita bruta anual auferida for superior a R$ 4,8 milhões;
prever, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do patrimônio para entidade sem fins lucrativos congênere ou para entidade pública;
as imunidades para sindicatos e entidades filantrópicas são aplicáveis, exclusivamente, ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados à finalidade essencial das entidades;
os dirigentes das entidades podem ser remunerados desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, ao limite do serviço público, que é o salário do ministro do STF;
nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até o terceiro grau de instituidores e dirigentes da entidade;
os eventuais atos e negócios jurídicos praticados pela entidade com seus instituidores e dirigentes deverão ser divulgadas juntamente com as demonstrações financeiras; e
as entidades beneficiárias da imunidade deverão manter em seu sítio eletrônico e em sua sede física, se houver, em local visível ao público, placa indicativa com informações sobre a sua condição de imune e sobre as suas áreas de atuação.
“Solidariedade não se tributa”
Robson Lins, do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, criticou a manutenção da imunidade das entidades religiosas condicionada à prestação de serviços gratuitos. Segundo ele, a entidade também pode oferecer serviços a preços de custo – ou seja, sem o objetivo de lucro. Ele também reivindicou que os setores imunes possam ter crédito de impostos nos produtos que comprarem.
Fernando Nogueira, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, disse que as regras colocadas no projeto avançam muito sobre a fiscalização das entidades. “Solidariedade não se tributa, solidariedade não se complica, todos têm a ganhar com isso. A gente sabe do papel fundamental que as organizações têm, não só na aplicação de políticas públicas, mas também em seu papel democrático, de dar voz, de organizar preferências”, afirmou.
Para o deputado Luiz Carlos Hauly (Pode-PR), talvez seja melhor deixar as exigências para uma discussão separada da reforma tributária, mantendo o que já existe no Código Tributário Nacional. “Ela traz confusão para a aprovação da lei complementar. Ela não é benigna para aprovação. Ela traz discórdia, descontentamento”, sustentou.
Mas o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) acredita que é preciso ter controle do Estado sobre algumas situações. “Está na hora de o governo dar um break nesses caras que são ricos. ‘Olha, eu sou fundação, eu só faço o social’, mas aí ele tem três casas não sei aonde, carros não sei aonde”, salientou.